18/02/2019

Neste dia


Foto por Ayla Fazioli  | © Todos os direitos reservados

A torcida ovacionava e comemorava com fervor a bola que sacudia a rede do time rival. De camisa oficial e bandeira amarrada nas costas, ela permanecia em silêncio, alheia ao que acontecia em seu redor. Sentada no assento que geralmente serve apenas para marcar lugar, sob o céu sem nuvens de Itaquera, a felicidade que lhe invadia a alma todas as vezes em que via o Corinthians entrar em campo fora tomado por um súbito vazio no peito, um desnorteio que doía e apertava aos pouquinhos – e cada vez mais forte – seu coração. Ela ainda lembrava da primeira vez que o levara ali, explicando passes, apresentando jogadores, fotografando sorrisos e animada por estar ao lado dele na Casa do Povo.

A foto da carteirinha de Fiel Torcedor dele havia sido tirada por ela, num cantinho que ela agora evitava olhar para não reaver as memórias. A camisa, as canecas e todos os objetos que lembravam o brasão do time passaram a decorar a casa dele também, que fez questão de aprender hino, os gritos de guerra, as piadas com os times rivais e se emocionava como torcedor de longa data a cada jogada bem executada. Os ingressos comprados por ele tinham sido a última razão do sorriso de ambos, duas semanas atrás. O assento vazio ao lado do seu, naquela final de Campeonato Paulista era onde ele devia estar, pulando feito criança contente, batendo no lado esquerdo do peito o amor ao brasão corintiano.

01/12/2018

Compartimento


Foi retirada do compartimento pequeno e úmido que a enclausurava num canto escuro da garagem. Meses soterrada sob os entulhos de restos de histórias e dejetos que não deviam vir a público por não merecer o convívio familiar cotidiano. Sob a claridade que a tomou de supetão, arqueou os braços desgastados de maneira tímida, deixando à mostra os arranhões e amassados que lhe causava um aspecto assustador ao espectador mais desavisado. Prostrada sobre uma base, a expuseram na sala de estar, trataram-a com a dignidade que não recebera há tempos. Renovada, ganhou um ar imponente e uma aparência lustrosa que causaria inveja aos vizinhos que viessem reparar em seus detalhes há pouco encaixotados. Ganhou decorativos ao redor do corpo, um adorno no topo do corpo e luzes que piscavam conforme um botão lhe indicasse. Uma vez por ano seu momento de glória merecido, mesmo árvore de ramos artificiais, servindo para trazer um pouco do espírito natalino que bem poderia estar presente o ano inteiro.

29/10/2018

Muro esponjoso


Às vezes, sou parede. Recebo crítica na mesma medida que as rebato. Sigo firme, sólida, na rigidez do muro de concreto que não se abala. Nesses dias, nenhuma tempestade é capaz de atravancar o caminho da parede que teima em se conservar rígida em sua extensão. Mesmo com marcas de tempo, uns riscos, umas lascas caídas por chão, se mantém estável. Queria eu poder todos os dias ser parede.

Como quem não entende em que ponto há essa mudança na mente, tem dias que sou esponja. Um "bom dia" mais sério me despedaça. Uma discordância de ideias, uma desconfiança de capacidade. O suficiente para me desmontar inteira. Às vezes, sou esponja. Absorvo até o que não devia ser sentido como negativo. Inundada de tanta negatividade, me desabo em lágrimas. Sabe como é, esponja que precisa se esvaziar.