29/12/2017

Antivírus


Ora quer saber?
Deletei você, limpei do HD
Apaguei seu vírus da programação
Sem definição, seu arquivo vai
Rapidinho fugindo da memória
(Delete - Lulu Santos)

Todo fim abre possibilidades de um começo. A gente reinicia do final.
Repete o ciclo. Aprende o caminho. E para de se perder nas encruzilhadas.

Seu contato ainda permanece ali. Do mesmo jeito em que centenas de dias atrás você me pedira pausadamente o meu celular para incluir seu número, seu nome permanece como que quimera a reduzir o espaço para novos contatos, novas possibilidades. O aplicativo de mensagens ainda mantém aquela conversa esquecida no fim da lista. Aquela última vez em que eu fui a primeira a cumprimentar e a última a me despedir. Eu reli cada balão de texto daqueles dias no intuito de que aquilo pudesse voltar para mim. Mesmo que no fundo da alma ribombasse a palavra doentio, carnal, egoísta. Era apenas o que você via quando falava sorridente comigo. Eu tentei fingir sentir o mesmo por algum tempo. Me enganei e repeti em voz alta que não queria nada além daquilo como maneira de tentar acreditar na minha própria mentira, só que eu nunca consegui. No fundo, mesmo quando, sozinha à noite em minha cama, eu revirava os olhos ao fantasiar seu corpo despido sobre meu peito nu, eu também podia sorrir terna ao imaginar nós dois de mãos dadas, sentados sobre a grama ainda fria da manhã de outono, abraçados por minutos a fio, sem conversas para dispersar. O vento que bagunçava meus cachos pelo rosto. O meu e o seu. Meu ombro servindo de travesseiro ao seu rosto e eu deitando o meu rosto sobre o seu. E o pulsar ritmado dos nossos corações compunha a trilha sonora eloquente daquele sonho cinematográfico na minha mente. Que sempre vinha seguido da decepção, da desilusão. Eu tentei me enganar, Bê, mas eu nunca fui dessas. Por vezes eu juro pra você que eu queria conseguir ser. Só que eu idealizo demais. Crio expectativas demais. No fundo, eu sempre amo demais. Tinha todo aquele gosto de descoberta que você, mais maduro e experiente, quis que eu aflorasse e entregasse a você, mas também tinha o sentimento que eu queria negar a mim mesma. Havia o carnal - e como havia -, mas no fim de cada semana o que povoava meus pensamentos sobre você era o que o meu coração mandava, não os meus hormônios.

Cobrindo parte da memória do meu celular, você ainda, descaradamente, permanece também na minha. Aquelas poucas semanas, as conversas e palavras de duplo sentido e um caminho que só podia ser criado na minha cabeça. Ainda bem que eu sou totalmente coração, mas também sei pensar direito quando necessário. Eu não me entreguei, mesmo que cada célula do meu corpo vibrasse em resposta à sua voz. Mesmo que cada vez que eu fechava os olhos e inspirava o ar quente expelido das suas narinas eu podia criar todo um novo final pra esse começo. Que tola eu fui. De tanto viver em meio à enredos literários, passei a querer criar o meu próprio felizes para sempre. Mas, Bê, a vida real não nos permite trocar de canal, como Humberto Gessinger canta por aí. E eu aprendi da pior maneira que não iria ser do jeito que imaginava. Que você, grande e aparentemente maduro era bem pouco para o que eu podia oferecer. Aqui dentro eu sou criança, ainda não aprendi a ser mulher. Mas aquela que eu gostaria de desenvolver não merece compartilhar da sua presença. Nem dividir a cama contigo, muito menos permitir a si ter o corpo tocado por alguém tão mesquinho. Nosso corpo é nosso templo, repetem gurus na mídia. Eu acredito em parte de toda essa fraseologia. Mas eu sou minha deusa, Bê. Sou Helena de Troia a desbravar as batalhas dos próprios caminhos. Sou Atena, Artemísia e até Perséfone nos piores momentos. Mas eu sou uma deusa independente. Me despedaço quando lembro de você, mas de caco em caco eu junto o que caiu e com o Hefesto aprendo a habilidade de recriar. Fênix também sou. Mas já não morro por ti. Aprendi a renascer para mim mesma.

Um dia me disseram que só consigo ser sã num mundo louco e sóbria numa sociedade embriagada porque eu escrevo. Porque exorcizo meus demônios quando interajo com o poder místico das palavras. Sabe Bê, eu nunca te chamei assim também, mas isso era uma das muitas possibilidades que eu criei naqueles enredos imaginários. Ontem à noite eu assisti um reality show de construção civil e, mesmo não conseguindo explicar o porquê do meu interesse à assuntos tão aleatórios, ver aquelas demolições em massa mexeu em alguma coisa aqui dentro. Eu quis me reconstruir. E hoje pela manhã, quando eu acordei, eu pude perceber que precisava te arquivar no fundo das minhas memórias. Com o mesmo celular em que você, naquela tarde que eu ainda teimo em relembrar, me pedira pausadamente para incluir o seu número.  De Word e coração aberto, eu redigi aqui meu próprio exorcismo. Escrevi numa tela pequena o que eu sinto pintado num muro enorme aqui dentro do peito. Eis me renascida. Eis me aqui, sã de novo. Exorcizada de você. Escrevendo e me fortalecendo como aprendi ser capaz de fazer desde bem antes de te conhecer.

Bê, essa é a última semana do ano e eu fico feliz por ter a certeza que não vou te levar comigo. Que você vai ficar marcado como parte desse ano. O mesmo que te conheci. O mesmo que te arquivei aqui dentro. Os erros vem para aprendizados e eu agradeço à oportunidade que a vida me deu de aprender mais um pouco. Por mais que a gente cresça, tem sempre alguma coisa que a gente não consegue entender. Eu não consegui entender que não era possível de acontecer. Que boa parte de tudo era a história em que eu quis acreditar. Escrevendo essa carta que você nunca vai receber, eu me sinto livre para tentar outra vez. A vida é risco e consequência, precipício e paraíso. Nem sempre dá pra desfrutar do leite e mel sem passar por uns espinhos no meio da jornada. Mas também é em meio aos espinhos que as rosas florescem. Eu fui ingênua sim, Bê, mas na maior parte do tempo, fui bem mais adulta que você.

O seu nome ainda está ali. Preenchendo a lista dos contatos no disco rígido do meu celular. Eu espero um dia poder estar completamente sã a ponto de apagá-lo de uma vez por todas. Mas como as teimosas rosas nascem em meio aos espinhos, eu sou teimosa em não arrancar o mal pela raiz. Com você, eu precisei errar para aprender. E espero não precisar errar novamente no próximo ano. Quando o ponteiro de minutos do relógio virar às 23:59 do dia 31 de dezembro, você vai estar arquivado aqui dentro. Mas um dia eu formato isso tudo de vez. Por enquanto vou tentar ser antivírus.

Bê, é um fim de ano, recomeço de outro. As definições de vírus foram atualizadas.

Voltei pra postar essa carta antes que o ano acabasse. Voltei pra provar que quem é vivo sempre aparece. Voltei ainda pra dizer que estou voltando no início do ano. E pra fechar com clichê e redundância, voltei pra relembrar que, a vida costuma ter as suas voltas. 

Um comentário:

  1. aiai será que adoro essas cartas e fico me roendo todinha pra saber pra QuEm ela foi escrita? nem precisa pensar muito pra saber a resposta, esse ano foi ótimo pra sua escrita né? me lembro de que desde que comecei a acessar aqui só via ela se aperfeiçoando e se polindo, coisa mais linda do mundo, certeza <3 to feliz por voltar logo, beijo!

    Ray e os Dezoito

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Um beijão, Selma Barbosa.